sexta-feira, 3 de julho de 2009

O menino de sua irmã


No local abandonado
Que toda a gente esquece,
O doce menino alheado
- Com brinquedos ao seu lado -,
Jaz deitado, e adormece.

Sua vida tem trejeitos de boomerang.
Lança sorrisos perdidos,
Pele clara, cabelo escuro, conhecendo meio sangue,
É raro que alguém o zangue
Sendo ele um dos validos.

Tão doce! Dormitou porque ninguém viera!
(Acordou porque ouviu os pezinhos de lã?)
Irmão único, a irmã lhe dera
Um nome, pois ele era
O menino de sua irmã.

Veio ela à sua beira
Envolvê-lo num gesto leve.
Colocou-o ao colo. De uma maneira
Protectora e matreira.
Unem-se mais a cada olhar breve.

Com a mãozinha direita, esticada
Em direcção ao solo,
Ele segura a chucha utilizada
Na sesta... Agora prefere a bonecada
Situada no outro pólo.

Observadora, ela satisfaz a sua prece:
“Eu só quero o teu bem, minha visão sã!”
(Amor destes não se esquece!)
Jaz sentado, e com um olhar agradece,
O menino de sua irmã.

Cátia Tocha

(a minha versão que, obviamente, não é comparável à original)



O menino de sua mãe


No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado -,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
“O menino de sua mãe”.

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

Da outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem!”
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino de sua mãe.

Fernando Pessoa